2015-05-10

Atlântico campeão nacional de voleibol

 E aí está. Há três anos campeão da 3ª, há dois campeão da 2ª, há poucas horas o nosso Atlântico da Madalena sagrou-se campeão nacional da 1ª divisão. Só com portugueses. Num jogo épico, em que esteve a ganhar por 2-0 e teve oito match points no terceiro set, permitindo a redução do outro grande finalista, o Castêlo da Maia, com um 35-33 (!!!) - grande jogo do Castêlo - e depois de se deixar empatar a 2, o Atlântico venceu a negra por 15-13, levando o pavilhão do Castêlo (repleto de gaienses) ao rubro. 
Parabéns também ao Benfica, que venceu nos Açores e inaugurou um novo título máximo, campeão de elite. É uma página histórica para Gaia. Ficam abaixo, em vídeo, os momentos finais do jogo do título.

2015-05-04

as mãos


olha as mãos distintas da mãe
segurando a travessa a caminho
da mesa
olha a tristeza

subindo pelos fumos do jantar
olha as minhas próprias mãos roçando a toalha de linho
junto ao joelho da prima e olha para ti depois de tudo
fraco para evitar que da revoada ou da bruma
volte a descer o desgosto
o pai tinha uma mãos bonitas que nas costas e nas falanges
tinham pelinhos curtos que à morte foram brancos
e ainda cingimos quentes porque nós,

já velhos, esperámos no quarto o fim
como em meninos a alvorada

um de cada lado do pai de mão dada pela alameda dos plátanos
que no verão era a infinita lonjura
da ventura
e na primavera o trilho infausto dos amores
no outono as folhas de pontas caídas
no inverno as próprias mãos do pai
mais do que os casacos e os chapéus
e os galhos suplicantes
até nos encostarmos à cerca de cimento caiada a branco
da estação
e quando os comboios passavam
o pai nos puxar para ele e as mãos
nos guardarem


perpetuamente


como matéria negra onde
explodem supernovas
e bailam trajes de luzes
pelas eras

terás mornas as mãos dos que amaste
entre as tuas e os laços dos dedos

atados para sempre
olha as mãos dela apertando os livros
ao peito e a travessia

contigo, olha as mãos
a velar o sorriso, olha
a estrela polar na galáxia
proximal e as mãos enfim
entre as tuas ou em concha
sob os frutos
olha as mãos dele sem saber onde ficar
na vertigem do cruzamento
com ela, olha as mãos

nas algibeiras, olha
a estrela polar na galáxia
proximal e os nós
sobre os teus no curso
dos afluentes

olha as mãos dos bebés a dar-te
virtude
olha as mãos das crianças a dar-te
guarida
olha as mãos dos amigos e
os braços que em partes
da vida são inteiros

amparos

olha a piedade
das mãos dos maestros
em todos os aplausos
que abriste
olha as mãos dos médicos
a erguerem tabiques

entre os medos

olha as mãos dos professores
no giz que alumia
o quadro negro
olha as mãos que pungem

as teclas e erguem as forcas
dos números, de como é devassa
a hierarquia
olha as mãos no gatilho
das pistolas com os canos apontados
às bocas
olha as mãos nos microfones
dos que falam sem voz
de como é deus

o nada

olha as mãos dos músicos a pedir
esmola

olhas as mãos dos escritores
na ocultação exacta
do inútil
olhas as mãos dos pintores
no cosmos do traço
exordial
olha as mãos dos escultores
na evidência da
amputação


olha as mãos que formaram violinos
do arame farpado e descansam
com perdão e lágrimas
nos dedos
desfeitos os punhos que combatem a memória olha as mãos
sinaleiras sobre as mãos sinaleiras


olha outra vez a piedade
das mãos sobre o teu rosto
olha as mãos dos padeiros sobre a fome


olha as mãos de tribunos sobre o

brio, olha a espada nas mãos
de magistrados e padres
nas mãos de profetas
olha filósofos em silêncio e mãos
no ar e o riso troante
nos campos finitos e no mar
olha as mãos dos pescadores
olha as mãos dos poetas a chorar
olha as mãos de polícias

a abjugar e a arder
como as mãos de bombeiros
olha as mãos dos carpinteiros na

saciedade e as de troia
em todos, todos!, os cavalos
olha as mãos dos sapateiros
nos caminhos por fazer
olha as mãos na água por beber
olha as mãos na terra por comer
olha as mãos da avó
a pelar as castanhas cozidas
e as mãos do avô nas malgas
de vinho e nas conchas
de sopa

olha os abraços à porta das aldeias
olha a piedade do vento

nas mãos da turba e a solidão
das mãos do mundo inteiro
nas mais longas auroras e agora
olha as mãos da mãe a ceder ao inverno, lassas
da forma que deram aos colos, doridas
da leveza que ofereceram às
almas
e aos solos
olha as mãos do pai
como galhos suplicantes
o pai na alameda dos plátanos de chapéu e
casaco, por fim



PG-M 2015
fonte da foto

2015-05-01

Ana de Amsterdam e Thomas Bernhard

 Outro dia, em plena leitura cúmplice, ia escrever "como é bonita Ana de Amsterdam".
E depois de Thomas Bernhard senti-me enganado.

Aqui por casa todos se riam quando eu dizia que nunca tinha lido ninguém tão inconveviente, bruto e insensível para a sensibilidade média das cidades e do mundo como o Thomas, e no entanto algo de luminoso sai de cada linha, a textura das frases é fresca e redentora, e não é exactamente o que vi dito dele na imprensa, com os graus superlativos e comparativos do costume, como se o tempo já tivesse acabado ("Herberto cortou o século XX em dois", vejam bem, e nem sequer foi incluído nos quinze anos que adentrou o XXI). Do Bernhard há passagens perfeitamente loucas, que foram apenas o exercício desse direito, de ser louco. Ana tem um timbre quente, às vezes fervente, mesmo quando diz que está triste. Se Thomas tivesse dito mal do Porto como, por exemplo, de Salzburgo, eu ia sorrir e aproveitar a oportunidade para evoluir. Mas Thomas está morto e esse diálogo faz-se de outra forma - quando vivo, poucos entre os visados aproveitaram a oportunidade para evoluir, pelo contrário, cerraram as fileiras da mediocridade. Já Ana está viva, bem viva, e é desconcertante e estimulante. É um teste de hipocrisia que se podia comprar nas farmácias como os testes de gravidez. E uma verdadeira páscoa. 

PG-M 2015